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Por que o Rosa Não Existe: Lições sobre Percepção e Realidade

Não acessamos a realidade de forma direta, apenas a representação que nosso cérebro faz dela.

O rosa é uma cor vibrante, marcante e alegre, com uma longa trajetória histórica. Foi mencionada na Odisséia de Homero (800 a.C.) e estava na moda entre a alta sociedade europeia do século XVIII—tanto homens quanto mulheres—como símbolo de classe, estilo e luxo (Phillips, 2023). Elvis Presley dirigia um Cadillac rosa e a ex-primeira-dama Mamie Eisenhower usava bastante rosa em suas roupas e nas decorações da Casa Branca (Phillips, 2023).

Aqui está o problema: o rosa não existe.

Se deixarmos de lado por um momento o peculiar mundo da mecânica quântica, a luz pode ser descrita como radiação eletromagnética que possui diferentes comprimentos de onda. Percebemos um espectro limitado dessa radiação como luz visível. Na extremidade de baixa frequência está a luz vermelha e na de alta frequência está a violeta. Artistas frequentemente utilizam uma roda de cores para ilustrar as relações entre as cores.

O problema é que a luz se distribui em um espectro que não se conecta nas extremidades. Se organizarmos objetos, como maçãs, em uma escala de pequeno a grande, existem maçãs de tamanho médio no meio. Porém, não podemos combinar as características de ser grande e pequeno de uma nova maneira para criar uma maçã grande-pequena que seja diferente de uma de tamanho médio. O mesmo ocorre com as cores: o ponto intermediário entre vermelho e violeta está na faixa do verde, mas não existe nenhuma luz que corresponda às áreas entre vermelho e violeta na roda de cores. De certa forma, essas são cores imaginárias (por isso não existem lasers rosa ou magenta).

Sensação e Percepção

Não há uma frequência ou comprimento de onda de luz que corresponda ao que percebemos como rosa ou magenta (Moyer, 2012). Esse fato gerou a manchete inusitada na revista Time afirmando que cientistas não têm certeza se o rosa existe (Locker, 2012). Para esclarecer: os cientistas sabem muito sobre a luz e como a percebemos. Vemos tons de rosa ou magenta quando percebemos luz vermelha e violeta (ou azul) próximas uma da outra. Não há realmente debate científico sobre isso. No entanto, essa questão destaca um aspecto profundo sobre nós como seres humanos: o que percebemos não é o mundo externo ao nosso redor, mas a interpretação que nosso cérebro faz dele.

A sensação tem sido tradicionalmente descrita como uma unidade única de experiência produzida pela estimulação de um receptor sensorial. Contudo, o estado atual da pesquisa já não apoia mais essa ideia, pois as experiências e a consciência não vêm diretamente dos receptores sensoriais. Podemos perceber coisas sem estar conscientes delas (Pang & Elntib, 2021; 2023) e, como a cor rosa demonstra, o que estamos conscientes não é simplesmente a soma do que nossos sentidos captam.

Nossas experiências—ou o que percebemos—são interpretações fortemente processadas e filtradas que nosso cérebro nos fornece (Huth et al., 2012; Schapiro et al., 2013). Visto dessa forma, as sensações são respostas fisiológicas a estímulos externos. Em termos mais simples, sensações são como nossos corpos reagem ao mundo ao nosso redor. A percepção, por outro lado, é como experimentamos nosso mundo (APA, 2007b). Sensações podem ocorrer de forma inconsciente, mas a percepção está diretamente ligada à experiência consciente e constitui uma das principais dimensões da consciência (veja As Muitas Dimensões da Consciência; Pang, 2023a).

Percepção e Realidade

Essa visão da percepção é profunda porque sugere que não temos acesso direto à realidade externa ao nosso redor. Apenas experimentamos a representação interna que nosso cérebro faz do mundo exterior, o que limita de duas maneiras principais:

Primeiro, captamos apenas uma faixa muito pequena de informações. Por exemplo, só podemos ver uma faixa estreita de radiação eletromagnética—o que chamamos de luz visível. Raios-X, ondas de rádio ou mesmo micro-ondas são essencialmente a mesma coisa que a luz, mas todas possuem frequências que estão além do que podemos perceber.

Muitos animais possuem magnetorrecepção, ou seja, conseguem sentir campos magnéticos—um pouco como ter uma bússola interna (Kirschvink et al., 2001). Estamos intrinsecamente alheios a essa parte da realidade; não há anúncios imobiliários que enalteçam o campo magnético exuberante ou harmonioso de uma casa, mas há muitos que exaltam a vista da propriedade. Embora saibamos sobre o campo magnético da Terra, podem existir muitos aspectos da realidade dos quais somos completamente ignorantes. Nem sabemos o que não sabemos.

Segundo, como descobrimos anteriormente, nossos cérebros filtram, corrigem e interpretam a quantidade esmagadora de dados sensoriais que encontramos (Huth et al., 2012; Schapiro et al., 2013). Isso é crucial para fazermos sentido do mundo ao nosso redor e agirmos dentro de um ambiente complexo.

Um bom exemplo disso é a ilusão óptica do tabuleiro de xadrez, onde percebemos dois quadrados da mesma cor como tons diferentes por causa da sombra de um terceiro objeto. Nossa percepção pode estar imprecisa, mas é muito mais útil: Podemos identificar que ‘B’ (veja a imagem abaixo) é um dos campos “claros” no tabuleiro. Também reconhecemos a faixa escura como uma sombra e o objeto no canto como um cilindro. Não percebemos uma matriz de cores, mas objetos distintos em um espaço tridimensional e suas relações entre si.

Qualia e “Como é Ser…”

Nossas experiências, então, são diferentes do que realmente existe no mundo. Isso não significa que uma realidade objetiva não exista, nem que o que experimentamos seja menos real—ambos são muito reais em seus próprios sentidos—mas significa que são diferentes. Isso é crucial quando falamos sobre a mente e a consciência (veja O Que é Consciência?, Pang, 2023b).

O rosa e o magenta podem não existir como comprimentos de onda distintos de luz (podemos dizer que não existem na realidade externa), mas há uma configuração específica de luz que nos faz perceber algo como rosa. Portanto, a questão de saber se o rosa é real depende se estamos falando sobre nosso mundo interno de experiência (onde é muito real) ou o mundo externo (onde não é). Infelizmente, nosso dilema sobre a realidade não termina aí. Podemos afirmar com confiança que um som existe como vibrações que viajam pelo ar. Mas por que as vibrações soam de determinada maneira para nós? Por que alguns sons são agradáveis e outros dissonantes? E por que experienciar um som é diferente de experienciar uma cor?

Os filósofos chamam essas qualidades experienciadas de qualia (o singular é quale). O filósofo americano Thomas Nagel (1974) descreveu experiências e consciência como tendo um aspecto unicamente subjetivo que ele resumiu na pergunta “Como é ser algo?”. Segundo Nagel, ser um morcego tem uma experiência qualitativa distinta (é como algo ser um morcego), enquanto ser uma rocha não tem isso (não há “como é ser” associado a ser uma rocha). Outros argumentaram contra o conceito de qualia por completo (por exemplo, Dennett, 1988).

Realidade Final

Independentemente de onde nos posicionamos nesse debate, nossa breve jornada do rosa à sensação e percepção mostrou que nossa experiência interna é diferente do nosso mundo externo—tanto factual quanto qualitativamente. Qual é real? Eu argumentaria que ambos são, mas de maneiras diferentes. Apesar dos enormes avanços em psicologia e neurociência, ainda não conseguimos explicar completamente nossa experiência interna com base no que sabemos sobre o mundo externo (e alguns dizem que nunca conseguiremos; Chalmers, 1995). Não podemos fazer o inverso de forma convincente também (embora alguns tenham tentado, por exemplo, Kastrup, 2022). Isso significa que qualquer descrição completa da realidade deve incluir tanto o experiencial quanto o físico.

Fonte: psychologytoday

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